quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Parto Normal X Cesárea Eletiva

Até meados do século XX, o modelo de parto no Brasil era pautado por atendimento domiciliar, prestado na maioria das vezes por obstetrizes ou parteiras. A partir dos anos 60, houve uma intensificação no processo de medicalização do parto e este passou a ser um evento na maioria das vezes hospitalar, sendo cada vez mais incorporadas metodologias diagnósticas e intervenções. Segundo dados do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), em 1970 no Brasil a taxa de cesárea era de 14,6%, aumentando para 25,3% em 1976 e alcançando a taxa de 31% no ano de 1980. A proporção de cirurgias cesarianas continua em ascensão, alcançando 52% em 2010 (Figura 1), sendo que já em 1985 a Organização Mundial da Saúde (OMS) aconselhava taxas de cesáreas entre 10 a 15%.
Figura 1.: Taxa de cesárea no Brasil de 1994 a 2010 por regiões. (Fonte: Secretaria de Vigilância em Saúde / MS)
Mas, o que mudou na cabeça das mulheres em relação ao parto para a realidade obstétrica ter mudado tanto em tão pouco tempo? NADA. Elas continuam preferindo o parto normal. Segundo uma pesquisa do Ministério da Saúde, cerca de 70% das gestantes apontam no início da gestação que desejam ter parto normal. No entanto, o que vemos no final das contas é bem diferente do esperado, principalmente se avaliarmos os números da rede privada: cerca de 80% dos partos são cesáreas. Sabendo disso, a culpa recai na atenção ao pré-natal, o principal evento que ocorre nesse meio tempo. Muitos profissionais desestimulam, direta ou indiretamente, o parto normal durante o atendimento pré-natal, invertendo os números da preferência da via de parto no final da gestação e resultando no triste cenário atual.
Os maiores medos que as mulheres alimentam durante a gestação sobre o parto normal é a dor da contração, a vagina "frouxa", e a insegurança do parto normal. Três grandes mitos! OK, a dor pode não ser um mito. Parto normal dói. Mas já repararam que todas as "passagens" que fazemos na vida doem, de um jeito ou de outro? A passagem de ser bebê para ser criança dói. Vai dizer que não lembra o primeiro dia na escolinha? A passagem de ser criança para ser adolescente dói. É tanta revolta, que nos revoltamos com nós mesmos. E, seguindo a lógica, a passagem de ser mulher pra ser mãe dói. E não é só dor física, quem dera fosse! Dói as mágoas. Dói as desilusões. Dói a alma. É um rito de passagem, e ele é a chance de enfrentarmos nossos medos, nossos leões, e conseguir vencer mais essa etapa da vida com louvor, como as outras tantas.
O segundo grande mito, a tal da vagina "frouxa", é um dos temas mais debatidos pela comunidade obstétrica. Muitas mulheres (e profissionais) acreditam que a passagem do bebê pelo canal vaginal durante o parto causa danos à musculatura perineal - músculo ao redor da vagina e ânus - e interferem na vida sexual da mulher. Na verdade, a maioria dos danos causados nessa região durante o parto é devido à má assistência do mesmo, com intervenções médicas desnecessárias. Aqui cabe a episiotomia, o tal corte no períneo para aumentar o diâmetro da vagina e "facilitar" a saída do bebê, evitando lacerações (lesão que ocorre naturalmente na pele e/ou musculatura). A episiotomia corta pele e músculo. A maioria das lacerações, quando elas ocorrem, atingem apenas a pele. Já conseguimos ver vantagem, certo? Além disso, quando o músculo é cortado, a reabilitação de sua função é bem difícil. Evitando esse tipo de atendimento, já estamos com meio caminho andado para o retorno muscular da vagina. A outra metade é feita ao evitar as lacerações na hora do parto realizando exercícios para fortalecimento da musculatura perineal durante a gestação. Esses exercícios devem ser feitos durante toda a vida e por toda mulher, pois o fortalecimento dessa musculatura previne outras complicações frequentes em mulheres, como o prolapso genital, ou a famosa "bexiga caída".
O terceiro mito é a segurança do parto. Algumas mulheres acreditam que a cesárea, uma cirurgia de alto porte, é mais segura do que o parto normal. Mito, mito, mito, mil vezes mito! Embora a cirurgia cesariana tenha surgido com o intuito de salvar vidas (e o faz diariamente), quando esta é realizada sem uma real indicação (eletiva), ou seja, quando a cesárea é feita fora de situação de emergência, há o efeito contrário. Recentes pesquisas mostram que as altas taxas de cesárea eletiva estão associadas com aumento da mortalidade materna e do recém-nascido. Além do aumento da mortalidade, as cesarianas em excesso estão associadas com maior necessidade de tratamento pós-natal com antibióticos, mais transfusões de sangue, menor frequência e duração da amamentação, maior tempo de internação hospitalar da mulher após o parto e maior índice de admissão de recém-nascidos para tratamento intensivo.
Para uma breve representação do quadro citado acima, um levantamento pela Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da saúde, nos aponta que o risco relativo para morte materna entre cesáreas é de 3,5 vezes maior, quando comparada ao parto normal. Já infecção puerperal o risco é de 5 vezes maior nas cesáreas, quando comparada ao parto normal.
Em relação à prematuridade, uma das principais causas de morte de recém-nascidos, a Secretaria de Vigilância em Saúde aponta que, a partir 2000, há um aumento da prematuridade em crianças nascidas de cesáreas e uma tendência à diminuição da prematuridade em crianças nascidas de parto normal.
O parto normal ainda é a melhor via de nascimento, recomendada pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde. Além de menores índices de mortalidade e complicação materna e de recém-nascidos, o parto vaginal resulta em melhor e mais rápida recuperação da mulher pós-parto e maiores chances no sucesso da amamentação. A figura 5 apresenta uma breve comparação entre a cirurgia cesariana e o parto vaginal.
Com esses dados e muitos outros que uma rápida busca na literatura nos fornece, é possível concluir que a cirurgia cesariana sem uma real indicação, ao invés de melhorar os resultados maternos e dos recém-nascidos, como esperado, resulta em sérias complicações para a saúde das mulheres e dos bebês. Para conseguir um parto à sua escolha, opte por uma equipe de confiança e viva a experiência do nascimento como sonhada.

Figura 5.: Vantagens do parto normal. (Fonte: Ministério da Saúde)
Para saber mais sobre as indicações reais e fictícias de cesárea, clique aqui.
(Neste texto foi utilizado a denominação “taxa” para se referir à proporção de cesáreas.)

Referências:
Secretaria de Vigilância em Saúde, MS (2011). As cesarianas no Brasil: situação no ano de 2010, tendências e perspectivas. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Fev/21/saudebrasil2011_parte2_cap16.pdf 
Villar J, Valladares E, Wojdyla D, Acosta A et al (2006). Caesarean delivery rates and pregnancy outcomes: the 2005 WHO global survey on maternal and perinatal health in Latin America. Lancet 2006 Jun 3;367(9525):1819-29. 
Villar J, Carroli G, Zavaleta N et al (2007). Maternal and neonatal individual risks and benefits associated with caesarean delivery: multicentre prospective study. BMJ 2007;335:1025.